quarta-feira, 14 de abril de 2021

Não costuma falhar

 


B0r3d era o responsável por observar, catalogar e entender o que os indivíduos do pequeno planeta. Não que fosse um planeta muito relevante já que ele ficava numa estrela menor num canto de uma galáxia. Mas como os indivíduos daquele planeta, se organizavam em comunidades, era necessário verificar se valia mesmo a pena tê-los como vizinhos. Ninguém gostava muito do autodenominados humanos, eles queriam sobreviver a qualquer custo, obtendo vantagens que minavam a própria sobrevivência, o alto comando dizia que o trabalho de B0r3d era necessário pois pelos menos as demais espécies do planeta pareciam bem mais interessantes e sofriam interferência direta dos humanos.

Ele já estava bem acostumado com a rotina dos humanos no entanto, após alguns séculos de observação soube que não era apenas a sobrevivência que queriam e nem a possibilidade de funções básicas de organização de sociedade, os humanos também procuravam cuidar e polir as próprias emoções de forma a liberar hormônios que os faziam se sentir bem. Tudo isso, interferia diretamente na organização de sua cultura, suas guerras, sua organização política e como eles se relacionavam. Curioso, B0r3d disfarçado de humano, chegara a experimentar o que eram essas coisas que os humanos faziam para que melhorassem seus humores e emoções. O fato é que B0r3d após tanto tempo já se sentia mais perto dos humanos do que dos demais de sua espécie.

O alto comando se viu alerta com o comportamento de B0r3d. O mesmo não acontecia com os demais que observavam as demais espécies do planeta. Por isso, decidiu por olhar mais de perto B0r3d, afinal, o trabalho do alto comando era observar. X0v3m foi destacado para assessorar B0r3d e reportar o alto comando sobre o comportamento estranho do colega. Quando soube, B0r3d não se alarmou nem um pouco, afinal o trabalho sempre foi feito e entregue corretamente e talvez fosse interessante dividir um pouco da humanidade com um colega.

Ele mostrou a X0v3m algumas coisas que afetavam os humanos e sua organização, o clima, o relevo, quanto tempo os humanos ocupavam determinada parte do planeta, o que os humanos denominavam como riqueza, como era o sistema de comunicação, como eles se alimentavam, e como era a organização numérica. Xov3m reportou e continuou seu trabalho. B0r3d então mostrou como todas essas coisas podiam ser benefícios ou mazelas da humanidade, era uma lição difícil pois X0v3m não entendia porque uns acumulavam demais o que os outros não tinham. Além disso, a maior dúvida foi entender o motivo pelo qual eles destruíam recursos que obviamente iam precisar para viver. X0v3m não entendia nada, aliás, ao relatar essas coisas para o alto comando, ele reforçou que não queria ter vizinhos que não entendessem o básico de sobrevivência da própria espécie. B0r3d é claro estava ciente do que estava acontecendo com X0v3m, ele já passara por aquilo. Na observação seguinte, Bor3d sugeriu a X0v3m que usassem o disfarce de humano.

Era uma manhã fria, branca de névoa. X0v3m soltou uma respiração pesada observando a pequena nuvem que formara na boca da sua forma humana, a pele arrepiava ao sentir o vento. Ele começou a olhar em volta para sentir a perspectiva que um humano tinha. As folhas das árvores tinham tantos nuances de verde e os sapatos das outras pessoas faziam um som ritmado nas calçadas. B0r3d o guiou até um estabelecimento próximo e quando entraram, X0v3m sentiu a agradável mudança de temperatura, o cheiro do lugar causou um barulho no centro do seu corpo e B0r3d soltou um barulho engraçado entre os dentes.

- Sente-se aqui. - ouviu B0r3d dizer enquanto indicava o lugar. - Eu já volto.

X0v3m desconfiou mas seguiu a sugestão. B0r3d se afastou e X0v3m continuou sua observação. Alguns humanos entravam no local e saiam apressadamente carregando formas tubulares, ele percebeu a alteração no humor deles nessa simples interação. Quando B0r3d voltou com duas formas similares e um pacote.

- Alimento. - Ele apontou o pacote. - Tire do pacote, coloque na boca e mastigue antes de engolir.

E assim X0v3m pegou o pacote e abriu, olhou dentro e tinha uma forma arredondada e macia lá dentro. O cheiro era relativo ao cheiro do lugar, a temperatura era maior e quando ele seguiu as instruções de B0r3d o gosto causou satisfação. Ele se ouviu fazendo barulho relativo a essa sensação e B0r3d fez o mesmo barulho de antes entre os dentes. Olhou para B0r3d e ele estava com as mãos na forma tubular e cheirava seja lá o que tinha dentro.

- É um copo de café, beba um pouco. - ele disse.

Deixando o pãozinho na mesa, X0v3m olhou desconfiado dentro do copo. O líquido era escuro mas o cheiro era agradável, forte. Ele viu Bor3d assoprar o líquido antes de bebê-lo e repetiu a ação. O líquido desceu quente pela garganta, ele suspirou a sensação sendo cada vez mais agradável. Os olhos abriram largos, querendo captar todo o ambiente e até ouviu o Jazz que um saxofonista tocava na esquina. O mundo dos humanos era tão estranho cheio de coisas, sentidos, mas aquilo o tornava tão bom.

- Eles gostam da vida curta deles e a apreciam da melhor forma, é por isso que fazem o que fazem. Podiam sim aprender várias coisas e melhorar várias coisas, têm potencial pra isso a maioria deles, quem sabe um dia. E o café, bem, o café não costuma falhar de lembrá-los disso.

X0v3m entendeu então porque B0r3d ficou séculos observando os humanos, nada era tão simples como ele pensava ser quando se tratava do que eles sentiam, principalmente o café.